IN TRANSIT
exposição individual de Jon Gorospe
Galeria de Arte Moderna
Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa
31.10 __ 30.11.2024
IN TRANSIT - em nome da beleza
A pesquisa perseverante e o olhar meticuloso de Jon Gorospe, tem-nos levado por diversas vezes numa viagem não apenas geográfica mas também estruturada sobre o enigma da cidade (até daquela onde habitamos), que embebe e comove os momentos expressivos da sua latência.
Para um olhar sobre as cidades actuais, é quase que imediata a reflexão de Bruno Zevi em Saper vedere l'architettur, que estimula a interpretar a arquitectura sobre vários pontos de vista mas principalmente, sobre as actividades humanas e a mudança no tratamento do espaço que resulta com o passar dos anos. Sobre este olhar espartano, que desfolha as diferentes camadas que envolvem a materialidade arquitectónica, focam-se as fotografias de Jon Gorospe em IN TRANSIT.
A tecnologia e a busca incessante de uma forma - quer seja nova ou dissemelhante, que responde às expectativas do momento presente sobre uma estética depurada de simplicidade em prol da materialidade, onde o inerte se sobrepõe à vida do transitório.
Novos materiais expandem e transportam por si uma carga de sentido visual e táctil - que levam à procura de quem habitamos as cidades, de um toque, do calor da desordem, da multiplicidade mas principalmente, da silhueta do humano que habita o seu interior. O jogo dos planos verticais em altura e a estreita cumplicidade entre frontarias dos centros mais populosos unem- se ao ruído natural da vivência citadina mesmo quando a luz natural se abriga ao final de um dia de fadiga.
Existe um chamamento à claridade no trabalho de Gorospe. Apesar de sua habilidade em dirigir o nosso olhar para a simplicidade da composição, a perpectiva é por si de culto e atenção, a observação endeusada sobre um simples aparente, que sempre subsistiu, ali, naquele lugar, canto ou ponto de vista mas que por regeneração dos ciclos de vida da cidade, se consome antes do tempo do nosso olhar cuidado.
A abordagem ultra contemporânea de registos compositivos fotográficos que evocam a nossa abstração, são uma magnífica composição de claro e escuro junto a hodiernidade dos materiais. Invocam o olhar contemplativo do visitante sobre um cenário reconhecível mas que em simultâneo, gera um conflito interior sobre a experiência pessoal de cada um com o meio urbano. Tudo difere conforme o sentido do nosso olhar: desabado e contemplativo, elevado na busca de uma extração ou descansado sobre um vazio que se complementa, como uma tela pictórica abstracta.
A abstração fotográfica de Gorospe é sobreposta pela figuração de quem transita nas cidades.
O gradiente de intensidade das pisadas e a urgência do caminhar marcam um ritmo desordenado e babelesco.
O contorno humano é um fragmento em movimento da memória de uma cidade que não tem uma fisionomia própria mas, que se define pela interpretação de uma soma humanizada de quem nela se abriga e executa uma tarefa.
Essa massa corpórea de vida que ressurge a cada ciclo socio cultural - económico também, é exaltada na peça videográfica através da aleatoriedade da apresentação de cada imagem. Durante fracções de segundo inquirimos a nossa memória sobre a identidade da cidade e em resposta, o movimento seguinte transporta-nos de imediato para outro ponto geográfico - por fadiga, e vítimas do tempo, tornamo-nos nómadas entre as vidas das metrópoles.
É implícita a atracção humana pelo caos mas principalmente há uma beleza na afeição do olhar sobre a desordem.
Mercedes Cerón
Lisboa, Outubro 2024