Quando em Junho visitei o atelier d’Os Espacialistas, depois de uma generosa conversa sobre o trabalho que tinham desenvolvido nos últimos anos, a sensação com que o deixei foi a de ter assistido à complexa materialização de uma esfera de Hoberman - o modelo, transformado em brinquedo, de uma esfera que por ação das pinças que a compõem é capaz de passar de uma fração do seu tamanho para uma esfera expandida.
A noção de que um elemento único pode ser potenciado, através da sua replicação modular ou adaptação formal, mas também através do seu desdobramento conceptual, até uma quase infinitude, foi talvez o que me levou à recordação deste brinquedo de infância.
Como esperava, a relação com a arquitetura era evidente, não fosse esse tantas vezes o seu ponto de partida. No entanto, para além do apelo dos materiais, e do olhar treinado para o equilíbrio das estruturas, o trabalho articulava-se - no discurso do Luís, do Diogo e do Sérgio - num conjunto encadeado que referências capazes de aludir tanto aos sistemas agrícolas de rega e cultivo, quanto a uma das mais emblemáticas obras de Sol LeWitt (All Variations of Incomplete Open Cubes, 1974).
Se aceitarmos que a arte é sempre representacional - ao contrário da arquitetura que entre as suas muitas obrigações, não possui esta - então poderemos considerar que, sem dúvida, a representação arquitetada pel’Os Espacialistas, é a do indomável universo das possibilidades… e para a praxis artística, as possibilidades são praticamente tudo.
O que surge como singular e paradoxal no vasto corpo de trabalho que o coletivo tem vindo a desenvolver – amplamente comentado, onde o espaço e a noção de série são sempre motivo de reflexão - é uma ardilosa, e para mim poética, articulação de uma racionalidade arguta associada a um aparente absurdo existencial.
Ao mesmo tempo que Sol LeWitt é citado, Fischli & Weiss ou Erwin Wurm vêm à memória… um contra-senso, naturalmente. Mas uma contradição estimulante que ganha sentido em momentos expositivos como este.
Em “Campo de Jogo: Plantar, Cortar, Alçar” a premissa parece ser a da germinação - também ela voraz, devoradora de conceitos que se multiplicam em rizomas de relações.
A imagem da esfera de Hoberman transforma-se na imagem do dominó: nas suas multiplicações, relações e desdobramentos. Nasce assim um (campo de) jogo (cultivado) de sentidos onde, se considerarmos o dominó como uma unidade de construção, podemos usá-lo para intuir uma linguagem mais vasta e universal que trespassa a vontade humana de fazer / construir / produzir.
Pode uma peça de dominó assemelhar-se a um tijolo, na sua vista frontal? Poderá um tijolo, desprovido das suas paredes e despido até ao máximo da sua sustentabilidade, assemelhar-se à estrutura basilar de Maison Dom-Ino (Le Corbusier, 1914-1915)? Pode esse mesmo tijolo olhar-nos? Pode um campo agrícola, com os seus sulcos arados, e as suas áreas de cultivo talhadas, ser apenas mais uma disposição de um conjunto de peças num jogo de dominó? Podemos nós habitar esse dominó? E se o planificarmos novamente e ajustarmos a sua escala o suficiente, podemos encontrar o dado que lança a sorte que governa a descoberta?
Talvez seja uma questão de perspetiva. E por isso joguemos.... Plantemos, cortemos e alcemos, neste percurso criado no chão e paredes de uma galeria, tornada num laboratório de experimentação... num campo de nutrição e brotamento de imaginação.
Susana Rocha, artista visual
Outubro 2022