Here come real stars to fill the upper skies,
And here on earth come emulating flies,
That though they never equal stars in size,
(And they were never really stars at heart)
Achieve at times a very star-like start.
Only, of course, they can’t sustain the part.
Robert Frost, “Fireflies in the garden” (1928), The Poetry of Robert Frost: The Collected Poems, Complete and Unabridged
O vôo potencial
Erguendo o olhar, Frost contempla o firmamento, e detém-se perante o bailado gracioso de infinitas gotas que esvoaçam, e riscam com luz o fundo negro da noite. O poeta ergue a chama trémula do minúsculo pirilampo à luz ardente das estrelas monumentais, deleitado com o esplendor cintilante.
É um olhar privilegiado, este que alia o humano, o natural e o celestial. Ameaçador, o ser-humano, e as suas tecnologias da luz, afronta o brilho pulsante do pirilampo. Em Survivance des lucioles, Didi-Huberman nota, com melancolia, a aniquilação dos pirilampos sob a luz cegante dos “ferozes projectores” que disseminam propagandas tiranas. No entanto, como em seguida descobre, estes outros pirilampos, as criaturas humanas da sobrevivência do pensamento, não desaparecem. Somente voam para outro lugar, onde o ver não tenha cegado.
A exposição «The Spot», de Jon Gorospe, surge como um destes lugares. A sua reflexão é espoletada pelo diagnóstico das teorias pós-fotográficas sobre o excesso de imagens criado e em circulação, que desloca o imperativo da actividade documental para a eleição e validação. Em particular, o artista concentra-se na invasão opressora do espaço público por écrans e propaganda publicitária.
Escavando um fosso entre realidade e ficção, gerando perigosas emoções, o efeito da imagem publicitária nas esferas mais triviais da vida humana desperta o pensamento sobre a captura do livre-arbítrio, a ilusão da fantasia inalcançada, a identidade segundo o consumo, a ruína do prazer satisfeito, ou o golpe na auto-estima. Trata-se da alienação e esvaziamento do espírito humano às mãos da máquina diabólica de La societé du spectacle de Guy Débord. Este olhar do ser-humano, encantado porém entorpecido, que sucumbe à sua desventura tecnológica, é tanto o de Narciso, como aponta o artista, como segue o rumo de Ícarus.
Além de lugar de sobrevivência, «The Spot» configura-se como gesto de resistência e esperança. A exposição nasce da penetração furtiva de Jon Gorospe no labirinto sombrio dos “ferozes projectores”, colhendo imagens publicitárias em écrans LED. Apropriando-se do seu componente elementar, como que da sua substância luminescente, o artista sabota as imagens existentes com recurso aos mesmos expedientes de sedução da publicidade. Em pingos e riscos de luz, em nuances de ritmos e cores, sobre um céu nocturno, Jon Gorospe cria imagens originais em fotografia e vídeo, induzindo uma disposição contemplativa e meditativa. Será contrabando – guerrilha até –, segundo a metáfora de Irit Rogoff, na forma de uma prática artística corporalizada, que habita e opera o próprio objecto que problematiza, e no seu interior experimenta, cria algo novo, que emerge de dentro para fora, que revela-se no decurso do próprio processo.
Sob a organização sistemática do LED, restam ainda indícios de pirilampos fugidios, agindo em potência, nesta clandestinidade onde Jon Gorospe os descobre, porém prontos a escapar-se, e voar.
Ricardo Escarduça, Maio 2022
Curador independente